Por Leonardo Sakamoto (jornalista, professor da PUC-SP e doutor em Ciência Política)
Um dos principais fatores para impedir alguém de cometer um delito não é o tamanho de sua punição, mas a certeza de que será pego. Com as baixas taxas estaduais de elucidação de homicídios, por exemplo, não admira que o fator dissuasivo não cole muito por aqui.
Por isso, é paradoxal que políticos em campanha repitam a mesma promessa de mais policiamento ostensivo nas ruas para combater a criminalidade. Mas não soltem uma interjeição sobre a necessidade de melhorar a investigação policial, com mais recursos financeiros para a área, melhores garantias profissionais e, é claro, combate à corrupção que grassa em parte dessa estrutura.
Atear fogo em um ônibus com passageiros em uma avenida de grande circulação não é um ato de loucura, mas uma ação pensada para criar pânico na população e questionar a capacidade de controle do poder público. E a pouca certeza de ser pego influencia nesse cálculo, claro. Cálculo que esteve presente ao acender ônibus-tochas em cidades de todo o país no ano passado.
O exemplo do Maranhão é paradigmático. A penitenciária de Pedrinhas se tornou terra de ninguém, um depósito superlotado de gente, juntando presos de facções criminosas rivais no mesmo espaço. Daí, decapitações, esfolamentos, estupros de mulheres da família dos presos. Mais recentemente, demonstrações de força com a queima de coletivos nas ruas da capital São Luís, com passageiros dentro, aprofundaram a sensação de que a lacuna deixada pelo governo é maior do que se pensava.
Não consigo acreditar na justificativa do poder público de que isso é uma reação às suas políticas de segurança. Isso é uma consequência de sua incapacidade de dar respostas.
Pois, sobre vários sentidos, o Maranhão é um Estado seletivo: está presente para garantir a qualidade de vida de alguns poucos em detrimento da maioria da população.
Prova disso é que ele apresenta a menor expectativa de vida na média de homens e mulheres – 68,6 anos – de acordo com dados divulgados pelo IBGE. São cinco anos abaixo da média nacional (73,76). E possui a segunda pior taxa de mortalidade infantil do país, apenas atrás de Alagoas, com 29 crianças com menos de um ano mortas para cada mil nascidas vivas. A média nacional é de 16,7 para 1000.
As três piores cidades em renda per capita pertencem ao Maranhão, de acordo com o recentemente divulgado Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – Marajá do Sena (R$ 96,25), Fernando Falcão (R$ 106,99) e Belágua (R$ 107,14). Na média dos municípios, o Estado possui o segundo pior IDHM do país, perdendo apenas para Alagoas – outra terra devastada pelo coronelismo.
O Maranhão, sob o domínio dos Sarney por décadas, não só permaneceu nas piores posições nos indicadores sociais, mas também viu suas terras serem desmatadas e poluídas, latifúndios crescerem, trabalhadores serem escravizados e assassinados, comunidades tradicionais serem ameaçadas e expulsas, a educação ser sucateada, os meios de comunicação ficarem concentrados nas mãos de poucos políticos. Até juiz já foi flagrado com trabalho escravo pelo governo federal em sua fazenda, mas acabou sendo absolvido pelos colegas por lá.
Isso é assustador, considerando que o Maranhão é um Estado rico. Possui jazidas minerais e gás natural. Água doce em abundância. Partes de seu território estão na Amazônia e no Cerrado. Tem localização privilegiada, com um porto mais próximo dos Estados Unidos e da União Europeia do que os do Sul e Sudeste.
Por que então não foram construídos/finalizados outros presídios antes? Por que a polícia não foi realmente empoderada para investigar crimes e o sistema penitenciário para gerir aquela balbúridia? Por que recursos não foram gastos na implementação de políticas públicas de segurança, mas também de educação, saúde, transporte, cultura, habitação, alimentação..?
Alguns vão colocar a culpa na própria população que os elege. Não é tão simples – Sarney teve que fugir e virar senador pelo Amapá para não ficar fora do jogo político em um determinado momento. E sua filha, Roseana, já perdeu uma eleição para o governo. Ou seja, há focos de resistência na forma de importantes movimentos sociais e uma sociedade civil cada vez mais atuante.
O problema é o desalento de boa parte dos mais pobres, que – infelizmente – já não acreditam que a política possa fazer diferença em sua vida. Independentemente de quem lá estiver.
Para muita gente que vive no Maranhão, a vida se equilibra entre um “salve-se quem puder” e um “não tenho nada a perder”.
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