A presença das drogas no espaço das escolas é uma realidade crescente. Levantamento feito pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) a respeito do uso de entorpecentes entre estudantes dos ensinos fundamental e médio nas capitais brasileiras mostra que cerca de 60% dos alunos de escolas públicas e mais de 65% das privadas já fizeram uso de substâncias tóxicas. A pesquisa revela também que cerca de metade dos estudantes faz uso recreativo ou ocasional. Em Juiz de Fora, a situação não é diferente. A Tribuna esteve nas proximidades de duas escolas, uma pública e outra privada, ambas na região central, e ouviu estudantes e vizinhos que confirmam: as drogas - desde o álcool até a cocaína - fazem parte da rotina das instituições de ensino e tomam também as imediações das escolas.
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"Infelizmente droga dentro da escola é o que mais tem. O pessoal usa geralmente no banheiro, em sala vazia, onde der para usar, usam", relatou um adolescente, 16 anos, estudante de uma escola estadual do Centro de Juiz de Fora. "Tem gente fumando cigarro, bebendo no banheiro, e ninguém fala nada", conta outra estudante, 15. "É fácil entrar com droga, pois ninguém olha mochila, nada, até arma entra no colégio, já é rotina", 15. Um funcionário da própria instituição confirma: "Tem sim, muita coisa entrando, mas não podemos revistar. O que achamos geralmente são vestígios. Quando pegamos algum aluno, levamos para a direção. Mas fora da escola, a situação já fugiu ao controle. Às vezes, ficam na calçada ou vão para a pracinha próxima. Só sentimos o cheiro. À tarde ainda é pior, pois são os estudantes mais velhos. Mas não tem distinção, é menino, menina usando", relata um auxiliar de serviços gerais, 50.
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Além dos abusos de alunos, há escolas que são alvos de vândalos e usuários de drogas nos fins de semana. Isso foi o que ocorreu em uma unidade pública no Bairro Cerâmica, Zona Norte, que foi invadida, danificada e usada por dependentes de droga. Docentes que voltaram nesta segunda-feira (18) ao trabalho depois do feriadão encontraram uma latinha para o consumo de crack, indicando que os invasores utilizaram as dependências do colégio para o vício, além de vários cômodos revirados, porta arrombada e janelas quebradas. Para especialistas, uma das alternativas para frear a disseminação de drogas no ambiente escolar é a prevenção. Neste sentido, Juiz de Fora foi escolhida para ser referência nacional em capacitação de educadores. A previsão é de que dez mil profissionais passem pelo curso que será oferecido pelo Centro de Educação a Distância (Cead) da UFJF, com início em janeiro de 2014.
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Nas proximidades - Nos arredores das escolas, as cenas de estudantes uniformizados fazendo uso de entorpecentes incomodam. "Um dia tinha um adolescente fumando maconha, com um menino que parecia ser irmão mais novo do lado. A gente fica muito assustada", comentou uma manicure, 38 anos. Uma aposentada, 60, moradora da Rua Fernando Lobo, também relatou cenas semelhantes. "Costumam sentar nas escadas, usando droga debaixo da nossa janela. É muito desconfortável assistir a isso."
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Em outubro, três adolescentes de 17 anos e um jovem de 20 foram apreendidos na Rua Fernando Lobo com maconha. O grupo foi flagrado pela Polícia Militar comercializando drogas para estudantes uniformizados, no Parque Halfeld, mas fugiu para a via. Estudantes de instituições particulares da região também são vistos usando droga à luz do dia pelos vizinhos. "Formam grupinhos e sobem e descem a rua fumando maconha tranquilamente", relatou um contador, 54, que trabalha na Rua Oswaldo Cruz.
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Orientação - Especialistas e polícias defendem que a orientação seja feita não só na família, mas na escola. "Um dia desses, um amigo levou maconha, a professora viu e não falou nada", contou uma adolescente, 15. Outro colega, 14, completou: "Os professores hoje não estão dando conta nem do ensino, quanto mais cuidar de aluno." Uma outra estudante, entretanto, diz que há orientação de alguns educadores. "Alguns falam sempre com a gente para ter cuidado, mas outros não", 14.
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Telmo Ronzani, coordenador do Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (Crepeia) da UFJF, diz que a educação é estratégica para a prevenção. "Só vamos conseguir mudar os indicadores com trabalhos preventivos mais efetivos, e as escolas são locais fundamentais", defende Ronzani, que está coordenando o curso de Prevenção de uso de drogas para educadores de escolas públicas, que será realizado pela primeira vez em Juiz de Fora. Em sua oitava edição, o curso é resultado de parceria entre a Universidade de Brasília (UnB), a Senad e o Ministério da Educação (MEC). Todas as outras edições da capacitação foram realizadas pela UnB.
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Professores não são os únicos responsáveis
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Danos à saúde dos alunos, dificuldade de relacionamento e aumento de violência, baixos índices de rendimento e evasão escolar. Esses são alguns dos problemas associados ao uso de drogas entre estudantes. Para a diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE) de Juiz de Fora, Belkis Cavalheiro Furtado, a droga é hoje um dos grandes desafios. "Não é o principal, mas principalmente nas escolas do sexto ao nono ano do ensino fundamental, a questão é mais delicada pela idade dos alunos. Já do primeiro ao quinto ano, a dificuldade está na forma de abordagem. É difícil articular com uma criança de 6, 7 anos sobre droga. É preciso preparo." A diretora destacou que, neste semestre, as 53 escolas estaduais da cidade estão desenvolvendo trabalhos relacionados à prevenção do uso de drogas. "Dentro do Fórum Permanente de Promoção da Paz Escolar, no primeiro semestre, trabalhamos o bulling e, agora, estamos tratando do crack e outras drogas, desenvolvendo atividades, palestras, teatros e outros estudos em parceria com Polícia Militar e Conselho Tutelar. O objetivo é a sensibilização e a união de esforços para reduzir o uso."
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Já a Secretaria de Educação do município informa que desenvolve, em conjunto com a Guarda Municipal, o programa "Guardas no apoio e prevenção nas escolas" (Gape), que aborda, de forma educativa, o tema dos entorpecentes e suas consequências para o organismo, interferência na família e sua relação com a violência em 30 instituições. Ambas as secretarias ressaltam a parceria com a Polícia Militar no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) e Jovens construindo a cidadania (JCC), que tem o objetivo de prevenir o uso de tóxicos e combater a violência entre os adolescentes. O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe/Sudeste) foi procurado, mas não enviou respostas.
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Para o coordenador do Centro de Referência em Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Outras Drogas (Crepeia) da UFJF, Telmo Ronzani, que também coordena o curso de prevenção que será ministrado pelo Cead, a temática da drogadição na educação continuada de educadores justifica-se, uma vez que pesquisas recentes revelam que tem crescido o consumo de drogas entre crianças e adolescentes, sendo cada vez mais precoce a idade da primeira experimentação entre estudantes. Entretanto, o especialista faz um alerta: "Só a capacitação isolada gera frustração. A educação continuada, a qualificação é importante, mas paralelamente são necessárias ações governamentais para que a prevenção surta efeito." Ronzani ainda lembra que os professores não podem ser eleitos como os únicos responsáveis por solucionar o problema."Não podemos eleger um ator social somente. Os educadores têm suas limitações. É preciso parceria, envolver setores, como família e restante da comunidade."
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O curso que será ministrado pelo Cead da UFJF está previsto para ter início em janeiro. A expectativa é de capacitação de dez mil profissionais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
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Escola é alvo de vandalismo
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A Escola Estadual Maria Elba Braga, no Bairro Cerâmica, Zona Norte, foi invadida e alvo de vandalismo. Apesar de terem quebrado vidraças, fechaduras e pichado as instalações, nada foi roubado. Mas os invasores teriam usado droga dentro da instituição já que no local foi encontrada uma latinha com indícios do uso de crack. A ação causou transtornos a professores e parte dos 480 alunos da instituição, já que várias salas de aula precisaram ser isoladas até a chegada da perícia da Polícia Civil. Em algumas delas, fechaduras foram danificadas e carteiras pichadas. Em uma das paredes, os vândalos ainda escreveram palavrões e siglas de facções criminosas. Em alguns casos, os vidros foram quebrados a pedradas. Trabalhos infantis afixados na área externa foram arrancados, e um armário, revirado.
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De acordo com o boletim de ocorrência da Polícia Militar, no andar térreo, foram arrombadas as fechaduras de duas salas de aula, além dos danos causados na janela da cozinha, supostamente quebrada para abertura de um freezer. A vidraça do cômodo onde ficam computadores também foi estilhaçada. Já no piso superior, os criminosos entraram em três salas, quebraram vidros e retiraram duas lâmpadas do corredor. Conforme a PM, os locais arrombados não possuíam alarme, mas a escola conta com o dispositivo em outras partes. Nenhum suspeito foi identificado. O caso foi encaminhado para investigação na Polícia Civil. A assessoria da Secretaria de Estado da Educação disse que foi informada da invasão, mas não confirma o uso de drogas.
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A diretora da Superintendência Regional de Ensino (SRE), Belkis Cavalheiro Furtado, diz que os muros não impedem as invasões, mas afirma que episódios como este têm sido registrados apenas em algumas regiões da cidade.
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Fonte: Tribuna de Minas (MG)
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