Rio de Janeiro, fevereiro de 2.005 - Com essa frase estampada no peito, a irmã Dorothy Stang foi brutalmente assassinada em Anapu, Pará. Da mesma forma que Chico Mendes, em 1988, Ademir Alfeu Federicci (o Dema), em 2001, e tantas outras lideranças sociais que lutavam pelos povos da Amazônia, ela foi calada por enfrentar madeireiros e lutar por um modelo de desenvolvimento justo e sustentável, como defendido pelos movimentos sociais da região.Sua morte é mais um episódio da barbárie que assola as áreas rurais em diversas regiões do país e faz do Pará o Estado líder da violência e da impunidade no campo. Madeireiros, fazendeiros e grileiros há muito vêm aterrorizando a vida dos moradores dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) de Anapu. Há exatos dois anos, quando visitamos Anapu pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, conforme mandato conferido pela Plataforma DHESC Brasil, fomos recebidos pela irmã Dorothy, por trabalhadores rurais e lideranças sociais. Em uma reunião reservada e tensa, dado o clima de medo que já imperava no município, foram-nos apresentadas denúncias da violência dos fazendeiros e dos madeireiros no município: homens armados e encapuzados atirando contra as casas dos colonos, invadindo-as e saqueando seus bens, queimando-as, arrancando as lavouras, destruindo cercas, fazendo famílias inteiras fugirem de suas casas.Transtornados, custa-nos acreditar na tragédia que há anos já se anunciava e agora ocupa espaço nos meios de comunicação. Indignados, procuramos entender como o Poder Público pôde ser tão incompetente, negligente e conivente com a situação de Anapu. Em diversas oportunidades, os movimentos sociais, organizações da sociedade civil, autoridades e a própria irmã Dorothy denunciaram as ameaças e o clima de violência em Anapu. Mesmo esta Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente enviou, em 09 de junho de 2004, carta ao Ministro Nilmário Miranda reforçando as denúncias de violações de direitos humanos, recomendando e solicitando do Governo Federal a adoção de medidas urgentes para banir a violência e a ilegalidade na região. Recomendações semelhantes já haviam sido feitas em nosso relatório de 2003, Relatório da Missão ao Pará, também encaminhado a diversas autoridades federais e estaduais (disponível gratuitamente mediante solicitação ao nosso endereço eletrônico).As polícias estadual e federal foram incapazes de garantir segurança pública na região. Pelo contrário, policiais estaduais se alinharam aos interesses de fazendeiros e madeireiros e vêm atuando intensamente na expulsão de posseiros de suas terras. A Polícia Federal, embora tenha realizado uma operação na região em junho de 2004, na ocasião apenas focou seu trabalho na investigação de desvios de verbas da SUDAM e nada fez quanto aos crimes ambientais e às ameaças a posseiros ocorridos nas áreas da União. Ao deixar Anapu sem medidas de proteção aos posseiros, a PF favoreceu o clima de impunidade e o recrudescimento da violência praticada pelos madeireiros.O IBAMA tem sido incapaz de combater e evitar o desmatamento ilegal de milhares de hectares de floresta por parte dos fazendeiros e a exploração ilegal de madeiras nas áreas dos PDS. O comércio ilegal de terras públicas ainda avança. O INCRA, após a criação dos PDS em novembro de 2002, passou a enfrentar uma batalha judicial contra os fazendeiros e madeireiros para retomar as terras pertencentes à União e, em campo, não conseguia realizar a demarcação dos lotes dos PDS. Os mesmos fazendeiros e madeireiros aumentaram o ritmo do desmatamento e da ocupação ilegal, tentando constituir benfeitoras, expulsando trabalhadores pela ação de pistoleiros e ameaçando as lideranças locais.Por outro lado, se a omissão e a inoperância das diversas esferas do Poder Público – que levam, inclusive, à falta de regularização fundiária da região – constituem o pano de fundo da violência contra a população e os movimentos sociais amazônicos, é o avanço da indústria madeireira e das frentes de desmatamento da Amazônia que provocam esses conflitos. É sabido que cerca de 90% da madeira proveniente dessa região têm origem ilegal. Por que são considerados empresários, e não criminosos, pessoas que gananciosamente ganham dinheiro com atividades ilegais? Como pode o Governo Federal ceder e negociar com madeireiros, se do outro lado o que há são populações sendo expulsas de suas terras, trabalhadores e lideranças sociais sendo assassinadas? Como se pode admitir, em um Estado que se afirma constitucionalmente como democrático e fundado nos valores da pessoa humana, que a irmã Dorothy, uma defensora de direitos humanos, seja declarada persona non grata pela Câmara Municipal de Anapu?A investigação exaustiva desse crime escandaloso é o mínimo de serviço que nossas autoridades podem prestar à Nação. Elas deveriam é ter vergonha de só agora darem atenção à violência de Anapu. Não podem esquecer que as ameaças de morte às lideranças locais não cessaram após a morte da irmã Dorothy. Se, para além de encontrarem os responsáveis (pistoleiros e mandantes) por esse crime hediondo, há efetiva vontade política de resolverem os problemas na região, que busquem fazer daquilo que era o sonho da irmã Dorothy uma realidade: garantam o direito dos pequenos produtores e agroextrativistas viverem dignamente nas terras amazônicas; implementem os Projetos de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Extrativistas; realizem a Reforma Agrária; combatam com vigor e intransigência a grilagem de terras, a degradação ambiental e a apropriação injusta dos recursos naturais.Em trinta e cinco anos de trabalho em Anapu, irmã Dorothy plantou vida e semeou esperança na defesa e na promoção dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Sua luta incansável e contagiante pela dignidade humana e pelo uso sustentável dos recursos naturais, embora momentaneamente abalada, permanecerá acesa entre aqueles que batalham por justiça. Sua força irradia em nós e, em especial, em suas companheiras da ordem de Notre Dame de Namur, nos pequenos produtores e agroextrativistas da Transamazônica, nos movimentos e associações de mulheres da Transamazônica e do Xingu, nos trabalhadores do STR de Anapu e em outras associações de pequenos produtores do município, na CPT e no MDTX e em todos aqueles que lutam pela implementação dos PDS em Anapu e por uma Amazônia sustentável e democrática, a renovada coragem de resistir à brutalidade da exploração ilegal dos recursos naturais amazônicos.Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2005Jean-Pierre Leroy - Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio AmbienteDaniel Ribeiro Silvestre - Assessor
Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2005
Jean-Pierre Leroy - Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente
Daniel Ribeiro Silvestre - Assessor
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Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente
meioambiente@dhescbrasil.org.br / www.dhescbrasil.org.br
Projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais
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Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - MPF
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